Vias deterioradas
A desintegração dos pavimentos das vias urbanas de São Paulo, SP atingiu índices extremos de desgastes, irregularidades e imperfeições
Crédito: Por Ana Paula Hirama - Flickr, CC BY-SA 2.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=16977865
INTRODUÇÃO
A quarta maior cidade do mundo em número de habitantes conforme dados da ONU não é apenas gigante e as dimensões dos problemas fazem proporções nocivas em diversas situações. Trânsito caótico, segurança, habitação, saúde, saneamento e muitas outras instâncias engrossam uma lista muito intensa.
Dentro dessa lista uma das questões está na situação ruim da grande maioria das ruas, avenidas, travessas, praças, vielas ou qualquer outro tipo de logradouro público bem como as calçadas e passeios que fazem parte da mobilidade urbana
1 - UMA CONSTATAÇÃO PREDOMINANTE
Basta transitar pela cidade de carro, moto, bicicleta ou ônibus que logo de depara com solavancos, impactos e balanços devido às irregularidades do pavimento. Da mesma forma os pedestres que fazem exercícios de risco para não sofrerem quedas em calçadas e passeios danificados ou ainda fora das mínimas condições de construção desde o projeto original, muitas vezes obrigando as pessoas a transitarem pelas ruas e avenidas pela falta de condições nas calçadas.
Crédito:
Wilfredor - Obra do próprio, CC0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=42118816
Tudo na cidade de São Paulo é gigantesco; infelizmente a falta de um plano efetivo de conservação dos logradouros levou a cidade a um estado de ruínas expondo a sociedade aos riscos de sinistros de trânsito resultante dessas vias danificadas onde os condutores tentam desviar seus veículos de buracos e falhas de modo arriscado de alguma colisão e a isso acrescenta-se o desgaste prematuro dos veículos com os componentes vitais como pneus, suspensão, direção que têm a desvalorização pelos danos estruturais que se degradam o pelo trânsito constante em condições adversas.
Salvas as poucas exceções, o que se observam na cidade basicamente são:
Buracos
Afundamentos
Deterioração do revestimento asfáltico (rachaduras e veios expostos)
Desnivelamento dos remendos
Tampas de galerias afundadas provocando afundamentos abruptos
Junção da via com início e final de pontes e viadutos com grandes diferenças
Ondulações conhecidas como “costela de vaca”
Valetas muito profundas que impactam os modernos ônibus de piso baixo na livre movimentação.
2 - CONSEQUÊNCIAS RECORRENTES
Todos esses problemas se associam com os desgastes das sinalizações horizontais de trânsito que desaparecem ou são ocultos por remendos. Assim, marcas de canalização, faixas de limitação das vias, faixas de pedestres, entre outras tornam-se ausentes ou deficitárias.
Como resultado dessas condições, a segurança viária fica comprometida com as manobras de motoristas, motociclistas, ciclistas e pedestres buscando desvios de buracos e outras irregularidades e com isso expondo-se à colisões e atropelamentos.
3 - OS EFEITOS NOS ÔNIBUS
Os veículos pesados não estão imunes aos danosos efeitos causados pelas irregularidades dos pavimentos. Basta embarcar em um ônibus urbano, observar e sentir os efeitos. Passageiros são afetados com os balanços, solavancos e inclinações constantes obrigando-os a agarrarem-se nas barras de segurança.
crédito: G1 / Gazeta de Pinheiros
Pessoas idosas ou com dificuldades de mobilidade são as mais atingidas pois não conseguem movimentar-se pelo corredor com o coletivo rodando. Poucos motoristas são mais cuidadosos e aguardam as pessoas sentarem-se ou posicionarem-se antes de deslocar o ônibus logo após o embarque.
O problema das vias resulta numa agravante semelhante aos automóveis: o desgaste prematuro dos veículos. Ônibus com apenas um ano de fabricação ou pouco mais que isso já apresentam vibrações e ruídos estruturais como se tivesse 5 ou mais anos de fabricação.
4 - A MOBILIDADE NÃO É APENAS NO LEITO DAS VIAS
Não bastassem os problemas envolvendo as condições de tráfego de veículos, os pedestres são alvos de elevados desafios para caminharem em calçadas e passeios danificados, fora dos padrões e limitados por obstáculos.
Nesse aspecto a situação é ainda mais notável, pois a falta de harmonização no perfil das calçadas e passeios cria degraus e elevações que são verdadeiros bloqueios à livre circulação que dificultam aos pedestres nos seus deslocamentos e impedem por completo um cadeirante a utilizar esse local.
É habitual que moradores favoreçam o acesso de seus automóveis às suas garagens sem levar em conta o gabarito dos passeios e calçadas. Uma demonstração da falta de cidadania pelo egoísmo e individualismo e a passividade da prefeitura em não fiscalizar essas irregularidades.
Sobre as calçadas em publiquei um artigo específico em abril/2022 com o título de CALÇADAS QUE PERDOAM, fazendo um paralelo às "Rodovias que Perdoam" pela preservação da integridade dos pedestres como é o fundamento nas rodovias. O link para acesso é:
5 - ESTUDO DE ENGENHARIA
Algumas vias receberam camadas de recapeamento, porém sobre a base primitiva que se encontrava em estado irregular. Essas vias danificadas pela ação do tempo e do tráfego pesado e intenso. Desse modo, o subleito, a sub-base e a base não oferecem resistência para a camada de ligação (binder) e muito menos para o revestimento asfáltico que é a mais superficial por onde transitam os veículos.
Crédito: http://asfaltodequalidade.blogspot.com/
Com o tráfego intenso e a ação do tempo, as rachaduras serão visíveis e a infiltração das águas provocarão o colapso das camadas inferiores causando afundamentos no pavimento como um todo.
É perceptível um recapeamento sobre base irregular porque os buracos desaparecem, mas as ondulações continuam. Pavimento que provoca o balanço nos veículos, principalmente ônibus e caminhões.
Em pouco tempo os impactos ao solo pelos balanços resultarão em fissuras e daí o resto é conhecido.
A rigor, um estudo de engenharia certamente vai concluir que o correto nessas situações seria a remoção completa de todas as camadas, redefinição do subleito e demais camadas com nivelamento e compactação e só então a aplicação do Binder e revestimento. Em simples entendimento, refazer a via completamente.
6 - O ABUSO DO PESO DAS CARGAS
Outro grande problema que acelera o desgaste e danos nos pavimentos são os veículos de carga transitando com excessos de pesos, tanto no peso bruto como no peso por eixo ou conjunto de eixos.
Por não existir um controle e fiscalização por parte da prefeitura de São Paulo, como ocorre em rodovias através das balanças, proprietários e motoristas inescrupulosos fazem carregamentos cujo peso bruto total superam significativamente aos limites do veículo, muitas vezes alcançando o dobro da capacidade.
O excesso de peso é um inquestionável fator que destrói o pavimento, o próprio veículo e expõe a sociedade a elevados riscos por sinistros de trânsito, pois esses veículos podem não ter frenagem ou tração suficientes em aclives e declives. Os mais evidentes são os caminhões e carretas tipo basculantes transportando agregados como areia, pedras, entulhos assim como plataformas removendo caçambas de entulhos com peso excessivo.
Crédito: www.giroportal.com.br
7 - POLÍTICAS PÚBLICAS CONSIDERADAS
Pode-se imaginar o imenso custo para refazer a maioria das vias públicas na cidade de São Paulo. Trata-se de uma questão ampla para direcionar meios e recursos cuja conta será paga pela sociedade de um modo ou de outro.
Incluem-se os transtornos pelas execuções das reformas viárias, fechamento temporário para acessos a comércio e moradias.
Isso é um resultado da ausência de um efetivo plano diretor que aborde a conservação e manutenção das vias, incluindo as calçadas, desde os projetos e a fiscalização incessante pelas subprefeituras. A cidade foi subdividida em administrações regionais exatamente pela gigantesca dimensão, porém o resultado não foi eficaz, ao menos na questão aqui tratada.
Ao todo 32 subprefeituras deveriam no mínimo corresponder nas áreas de suas respectivas circunscrições adotando metodologia inteligente e atuante por meios eletrônicos e agentes vistores.
8 - SINCRONISMO COM A CADEIA DE SERVIÇOS COMPLEMENTARES
Não é incomum que uma via recém recapeada em questão de dias ou semanas seja aberta para alguma intervenção pelo serviço público como água e esgoto, energia, telefonia e internet, além da própria prefeitura em sua área de trânsito para a instalação de eletrodutos e sensores da sinalização viária.
Essa questão demonstra inexistir um sincronismo racional entre esses organismos, salvo exceções, poderiam e deveriam estabelecer um cronograma preliminar com senso comum de evitar intervenções aleatórias.
Outra questão dos serviços sem uma coordenação é o caso de uma via ser recapeada totalmente, porém as tampas de galerias e acessos ficam desnivelados resultando numa armadilha para os motoristas e motociclistas que podem quebrar seus veículos nessas depressões. Nos casos das motos e bicicletas os riscos são maiores por possíveis quedas com sucessivo atropelamento.
Crédito: portalprudentino.com.br
9 - A QUALIDADE DOS REMENDOS
É nítida a baixa eficiência dos remendos nos pavimentos quando uma dessas concessionárias os procedem após alguma intervenção. Os serviços entregues não possuem o mesmo padrão da via original e em poucos dias o remendo torna-se irregular por depressão ou saliência. Isso causa impactos nos veículos que por sua vez, resultam em afundamentos pela dinâmica do tráfego.
Crédito: otempo.com.br
A pergunta que rompe o silêncio é de que se não seria mais lógico que apenas e exclusivamente a empreiteira que construiu o pavimento faça os reparos após as intervenções? Bastaria um entrosamento entre a prefeitura e essas empresas nesse sentido. Desse modo, os mesmos agregados e técnicas seriam aplicados conforme os registros mantidos pela execução primitiva.
10 – PONTES E VIADUTOS
Outro cenário que merece muita atenção está na questão da conservação das pontes e viadutos na cidade. Como são mantidos, conservados e assegurados tecnicamente sob a ótica estrutural, tanto da grande estrutura (apoios e vigas) como da pavimentação.
O piso irregular por ondulações, buracos e imperfeições provocam abalos irradiados pela passagem dos veículos pesados. A obra de arte tem sua vida útil comprometida e subitamente pode ser colapsada parcial ou totalmente causando inúmeros transtornos na mobilidade urbana, sem contar os riscos à integridade das pessoas no momento.
Viaduto Azevedo - Crédito: Mobilidade Sampa
11 – AS VIDAS EM RISCOS
O Brasil é signatário da Declaração de Estocolmo na Terceira Conferência Ministerial Global sobre Segurança Viária: atingindo Metas Globais 2030 na qual estabeleceu, entre outras ações, a redução de no mínimo 50% menos mortes e feridos graves no trânsito até o ano de 2030.
Nesse sentido foi criado o PNATRANS - Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito 2021 pelo Governo Federal que por si sinaliza a intenção de cumprir essa meta, porém é necessário “sair do discurso” e atuar efetivamente, como por exemplo a reforma das vias em São Paulo como uma das muitas prováveis ações.
Dentro de dois anos ocorrerão as eleições municipais no país. Certamente uma possibilidade de programa de campanha, mas esperar até isso é ser conivente com a fatalidade e não compactuar com os princípios estatutários do PNATRANS.
A vida precisa ser preservada já, de imediato!
12 - ENVERGADURA FINANCEIRA DESSAS AÇÕES
É extremamente complexo obter uma estimativa do custo para a reconstrução das vias urbanas na cidade de São Paulo, ou ao menos, aquelas que possuem indicadores técnicos de desintegração.
Antes de arriscar alguma cifra, vale lembrar que São Paulo é a 4ª cidade do planeta em população de acordo com dados da ONU, ficando atrás apenas de Tokio (Japão), Deli (Índia) e Xangai (China) com população de 21,65 milhões.
São Paulo integra a região metropolitana da Grande São Paulo com mais 38 municípios e ocupa a 10ª região metropolitana no mundo com 21,7 milhões de habitantes e uma área aproximada de 8.000 km².
Conforme dados da Prefeitura de São Paulo, existem 65.000 registros de logradouros (ruas, avenidas, praças, viadutos etc) e cerca de 18.000 km de vias pavimentadas. Quase a metade de uma volta a Terra ou ainda em linha reta ida volta entre São Paulo e Chicago nos Estados Unidos.
Fonte: Google Maps
Nesse contexto, supondo que 90% das vias necessitem uma reconstrução, com um custo de R$ 800.000,00/km totalizaria R$ 14,4 trilhões. Isso mesmo, um número monstruoso (R$ 14.400.000.000,00).
Nesse exemplo, uma rua com apenas 300 metros custará R$ 240.000,00 de obras asfálticas.
Na mesma linha, as calçadas e passeios custariam em torno de R$ 3 trilhões.
Onde obter recursos na ordem de 18 trilhões de reais é uma questão ampla e somente com extensas análises orçamentárias com envolvimento das autoridades afetas a esse possível projeto.
Obviamente esses números não possuem bases técnicas e trata-se de mera simulação pelos valores unitários de obras pesquisados em portais, porém a ordem de grandeza não destoará certamente para mais ou para menos.
13 – CONCLUSÃO
A questão neste Artigo é levantar a necessidade de ações que possibilitem a retomada das condições viárias e seguras na cidade de São Paulo, pois o retrato atual não é nada condizente com as expectativas dos programas nacionais e internacionais que preservem as vidas na mobilidade urbana.
Na sequência algumas fotos obtidas pelo Google Maps e pelo autor em diversos quadrantes da cidade. É possível entender o estado de ruas, avenidas e viadutos aleatoriamente em todas as regiões da cidade.
Thyrso Guilarducci
Rev.1 - 24/05/2023
NO TRÂNSITO, ESCOLHA A VIDA!
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